Esta semana, após a declaração de Bolsonaro de que o óleo poderia ter origem venezuelana, se somaram à lista de fontes o Ministério da Defesa e o governo venezuelano. Além destes, nota-se ainda a aparição pontual da Associação Brasileira da Indústria de Hotéis, de agências de turismo como a CVC e de profissionais dermatologistas que apontam os riscos de contaminação humana pelo óleo, alertando os banhistas. No conjunto, apenas uma matéria, veiculada pela Folha de S. Paulo nesta quinta-feira 10 tem como fonte um pescador e uma pescadora.
No Jornal Nacional, campeão de audiência nos telejornais, nas oito edições analisadas de 28 de setembro a 8 de outubro, pescadores são mencionados em apenas uma matéria em nota coberta do repórter que refere-se à interrupção do trabalho ocasionada pelo óleo. Na mesma edição, as falas de Bolsonaro, Salles e de um pesquisador universitário são veiculadas. Na edição que foi ao ar, o tema ocupa oito minutos do total de 42 do jornal e novamente nenhuma comunidade é ouvida.
A concentração regional da produção de notícias no Sudeste e a falta de diversidade na cobertura jornalística são resultado direto da alta concentração de propriedade da mídia no Brasil conforme demonstrou a pesquisa “Quem Controla a Mídia”.
Tal concentração é responsável não só pela ausência de diversidade informativa entre os veículos, mas pela produção de silenciamentos históricos como este.
O silenciamento tem um resultado perverso sobre aquelas e aqueles cuja vida está intrinsecamente ligada aos manguezais, estuários, restingas, rios e mares, afinal, ao negar reconhecimento a estes atores enquanto fonte autorizada sobre esta questão, a mídia torna invisível mais uma vez os modos de vida de comunidades e povos tradicionais e retira destes a oportunidade de se colocar enquanto sujeitos de direito.
“A mídia no máximo fala sobre os animais. Só fala que a tartaruga vai morrer, que o peixe boi vai morrer, e nós? E os pescadores e nós marisqueiras que vivemos destas águas? Como é que sustenta nossas famílias com esse vazamento? Nós pescadoras e marisqueiras também temos vida, também temos importância. O mangue é a vida da marisqueira. A maré é a vida do pescador”, defende liderança do Movimento de Marisqueiras de Sergipe.
No estado de Sergipe, até o momento, foram atingidos os municípios de: Brejo Grande (foz do rio São Francisco); Estância (praia de Caueira, Abaís e Saco); Aracaju (praias do Mosqueiro, Atalaia, Coroa do Meio, Foz do rio Sergipe); Pirambu (praia de Pirambu); Barra dos Coqueiros (Pontal da Barra, praia do Jatobá, Porto, praia da Costa e Atalaia Nova); Pacatuba (praia de Ponta dos Mangues) e no Norte da Bahia, as praias de Conde (praia de Siribinha) e no município de Jandaíra, a praia de Mangue Seco, totalizando cerca de 40 km de impactos.
Embora o recorte das edições impressas dos jornais e a rápida análise do Jornal Nacional ofereça um conjunto pequeno no que concerne à quantidade de conteúdos veiculados pelos veículos de mídia sobre o tema, compreende-se que, exatamente por exigir um esforço de edição maior, o enquadramento do tema é indicador importante de como estas empresas de mídia pautam o debate público.
Nas mesmas edições em que o vazamento foi tema, por exemplo, mereceu amplo destaque os leilões do pré-sal em Abrolhos. Também neste tema a questão dos conflitos decorrentes da extração e benefício do petróleo foi tematizada sem a participação dos povos do mar.
Tal situação, conforme já tratamos neste blog, contraria o direito à informação e à comunicação essenciais aos cidadãos como destaca a Constituição Federal em dispositivos como o Artigo 5 (direitos individuais), Artigo 37 (princípios de administração pública) e os artigos 220 a 224 (que tratam da comunicação social) que contemplam o direito ao cidadão de informar, de se informar e de ser informado.
É importante lembrar ainda que o Brasil firmou compromissos internacionais nesse sentido, incluindo a assinatura do Acordo de Escazú em setembro de 2018 – tratado que estabelece os parâmetros para a participação social, acesso à informação e à Justiça em questões ambientais em países da América Latina e no Caribe.
A assinatura representa uma importante conquista para a sociedade civil na defesa dos objetivos que o acordo abrange: “garantir a implementação plena e efetiva, na América Latina e no Caribe, dos direitos de acesso à informação ambiental, participação pública nos processos de tomada de decisões ambientais e acesso à justiça em questões ambientais (…)”.
Hoje, quando o impacto do vazamento nas vidas de pescadores, mangabeiras, marisqueiras, quilombolas e populações camponesas atinge tamanha proporção, o enfoque da mídia nacional concentra-se na batalha entre declarações do governo brasileiro acusando a Venezuela e notas do governo venezuelano refutando a hipótese apresentada por Bolsonaro.
O presidente brasileiro parece seguir a cartilha dos chefes de estado do país quando confrontados com tragédias anunciadas como esta: passar a batata quente adiante e lavar as mãos. “Não é do Brasil, não é nossa responsabilidade”, declarou Bolsonaro.
Num jogo de interesses obtusos, a quem serve as escolhas editoriais da mídia brasileira ao silenciar determinadas narrativas e escolher ecoar outras?
Fonte: Carta Capital